2020 - Grupo Especial - RJ
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1. A Verdade Vós Fará Livre
Estação Primeira de Mangueira -
2. Viradouro De Alma Lavada
Unidos do Viradouro -
3. Gigante Pela Própria Natureza: Jaçanã E Um índio Chamado Brasil
Unidos de Vila Isabel -
4. Guajupiá, Terra Sem Males
Portela -
5. O Rei Negro Do Picadeiro
Acadêmicos Do Salgueiro -
6. Elza Deusa Soares
Mocidade Independente de Padre Miguel -
7. Onde Moram Os Sonhos
Unidos da Tijuca -
8. O Santo E O Rei - Encantarias De Sebastião
Paraíso do Tuiutí -
9. Tatalondirá - O Canto Do Caboclo No Quilombo De Caxias
Acadêmicos do Grande Rio -
10. Nas Encruzilhadas Da Vida, Entre Becos, Ruas E Vielas A Sorte Está Lançada: Salve-se Quem Puder!
União da Ilha do Governador -
11. Se Essa Rua Fosse Minha
Beija Flor De Nilópolis -
12. O Conto Do Vigário
São Clemente -
13. Pedra
Estácio De Sá
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CARNAVAL DE 2019
enredo
A verdade vos fará livre
autor do enredo
Leandro Vieira
carnavalesco
Leandro Vieira
desfile
3ª escola a desfilar | 23/02/20 | Passarela do Samba
resultado
6ª colocada no Grupo Especial (LIESA) com 268 pontos
FICHA TÉCNICA
presidente
Elias Riche
direção de carnaval
Conselho de Carnaval
direção de harmonia
Edson Góes (Edinho)
direção de bateria
Wesley Assumpção
rainha de bateria
Evelyn Bastos
1º casal de mestre-sala e porta-bandeira
Squel Jorgea e Matheus Olivério
2º casal de mestre-sala e porta-bandeira
Débora de Almeida e Renan Oliveira
responsável pela comissão de frente
Priscilla Mota e Rodrigo Neri
SAMBA DE ENREDO
compositores
Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo
intérprete
Marquinho Art'Samba
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra do buraco quente
Meu nome é Jesus da gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais que a escuridão
Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão
Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E ressurgi pro cordão da liberdade
Mangueira
Samba, teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também
SINOPSE DO ENREDO
"Vou pedir que me levem lá pro céu
Que cada dia chega mais perto do morro
E onde já viram Deus compondo
Um samba para escola desfilar"
(SAMBA de Hermínio Bello de Carvalho e Maurício Tapajós)
A VERDADE VOS FARÁ LIVRE
Nasceu pobre e sua pele nunca foi tão branca quanto sugere sua imagem mais popular. Sem posses e mais retinto do que lhe foi apresentado, andou ao lado daqueles que a sociedade virou as costas oferecendo-lhes sua face mais amorosa e desprovida de intolerância. Sábio, separou o joio do trigo, semeou terrenos férteis e jamais deixou uma ovelha sequer para trás.
Exaltou os humildes e condenou o acúmulo de riqueza. Insurgiu-se contra o comércio da fé e desafiou a hipocrisia dos líderes religiosos de seu tempo. Questionou o poder do império romano e condenou a opressão. Seu comportamento pacifista e suas ideias revolucionárias inflamaram o discurso dos algozes que passaram a excitar o estado a decretar sua sentença. O fim todos sabemos: Foi torturado, padeceu e morreu.
Séculos depois, sua trajetória ainda anda na boca dos homens e em seu nome, para o mal dito "de bem" – e com rígido contorno de moralidade - muito já foi realizado de forma estanque ao sentido mais completo do AMOR por ele difundido. O amor incondicional, irrestrito e ágape.
Por isso, quando preso à cruz, ele não pode ser apresentado como um. Ser um, exclui os demais. Preso à cruz, ele é a extensão de tantos, inclusive daqueles que a escolha pelo modelo "oficial" quis esconder. Sendo assim, sua imagem humana não pode ser apenas branca e masculina. Na cruz, ele é homem e é também mulher. Ele é o corpo indígena nu que a igreja viu tanto pecado e nenhuma humanidade. Ele é a ialorixá que professa a fé apedrejada e vilipendiada. Ele é corpo franzino e sujo do menor que você teme no momento em que ele lhe estende a mão nas calçadas. Na cruz, ele é também a pele preta de cabelo crespo. Queiram ou não queiram, o corpo andrógino que te causa estranheza, também é a extensão de seu corpo.
Sem anunciar o inferno, ele prometeu que voltaria. Acredito que, se ele voltasse à terra por uma encosta que toca o céu - para nascer da mesma forma: pobre e mais retinto, criado por pai e mãe humilde, para viver ao lado dos oprimidos e dar-lhes acolhimento - ele desceria pela parte mais íngreme de uma favela qualquer dessa cidade. Talvez na Vila Miséria*, região mais alta e habitada do Morro de Mangueira. Ali, uma estrela iluminaria a sala sem emboço onde ele nasceria menino outra vez. Então, ele cresceria entre os becos da Travessa Saião Lobato*, correria junto das crianças da Candelária*, espalharia suas palavras no Chalé* e no "Pindura" Saia*. Impediria que atirassem pedras contra os que vivem nas quebradas e nos becos do Buraco Quente*. Estaria do lado dos sem eira e nem beira estranhando ver sua imagem erguida para a foto postal tão distante, dando as costas para aqueles onde seu abraço é tão necessário.
Se sobrevivesse às estatísticas destinadas aos pobres que nascem em comunidades, chegaria aos 33 anos para morrer da mesma forma. Teria a morte incentivada pelas velhas ideias que ainda habitam os homens. O amor irrestrito ainda assusta. A diferença jamais foi entendida. Estender a mão ao oprimido ainda causa estranheza. Seria torturado com base nas mesmas ideias.
Morto, ressuscitaria mais uma vez e, por ter voltado em Mangueira, saudaríamos a possibilidade de vermos seu sorriso amoroso novamente com o que aqui fazemos de melhor. Louvaríamos sua presença afetuosa com samba e batucada. Vestiríamos todos nossa roupa mais cara. Aquela de paetês e purpurina. De cetim com joias falsas. Desfilaríamos diante dele e, em seu louvor, instauraríamos a lei que rege nossos três dias de folia. Sem pecado, irmanados e em pleno estado de graça.
Explicaríamos nessa ocasião que a cruz pesada que carregamos como fardo ao longo do ano nos é tirada das costas no carnaval. Por ter vencido a morte e sem ter o peso de sua cruz nas costas, ele sorri para a baiana que desce para se apresentar. Ele acena com a mão direita para a passista que amarra a sandália, enquanto a mão esquerda dá a benção para o ritmista que rompe o silencio com a levada de seu tamborim.
Fitando o céu, ele parece ver algo ou alguém acima da linha do horizonte . Sorri, como se pego em meio a brincadeira e se soubesse humano também. Entendendo que ali ele é rebento e que todos, sem exceção, são seu rebanho; ciente de que o pecado, por vezes, é invenção para garantir medo e servidão, ele pede para que toda essa gente que brinca anuncie enquanto canta sorrindo: A VERDADE VOS FARÁ LIVRE.
Vila Miséria* Travessa Saião Lobato* Candelária* Chalé* Pindura Saia* Buraco Quente* - Todos os nomes referem-se a localidades ocupadas pela comunidade do Morro da Mangueira.
Rio de Janeiro, Julho de 2019.
PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E TEXTO: LEANDRO VIEIRA
Paraíso do Tuiuti
O salvador da pátria
CARNAVAL DE 2019
enredo
Viradouro de alma lavada
autor do enredo
Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon
carnavalesco
Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon
desfile
2ª escola a desfilar | 23/02/20 | Passarela do Samba
resultado
Campeã do Grupo Especial (LIESA) com 269 pontos
FICHA TÉCNICA
presidente
Marcelo Caliu Petrus Filho
direção de carnaval
Alex Fab e Dudu Falcão
direção de harmonia
Mauro Amorim e Washington Jorge
direção de bateria
Moacyr da Silva Pinto (Ciça)
rainha de bateria
Raissa Machado
1º casal de mestre-sala e porta-bandeira
Ruth Alves e Julinho Nascimento
2º casal de mestre-sala e porta-bandeira
Amanda Poblete e Jeferson Souza
3º casal de mestre-sala e porta-bandeira
Gislaine Lira e Diego Jenkins
responsável pela comissão de frente
Alex Neoral
SAMBA DE ENREDO
compositores
Dadinho, Lair Machado, Rildo Seixas, Manolo, Anderson Lemos Carlinhos Fionda e Alves
intérprete
José Paulo Ferreira Sierra
Ora yê yê o oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma desta gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
Levanta preta que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
Mainha, esses velhos areais
Onde nossos ancestrais
Sempre acordam a manhã
Pra luta
Sentem cheiro de angelim
E a doçura de quindim
Na bica de Itapuã
Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê
São elas dos anjos e das marés
Criolas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda na beira do mar
Aguadeira que benze e vai pro terreiro sambar
Ganhadeira de fé!
É a voz da mulher
Xangô ilumina a caminhada
A falange está formada
Um coral cheio de amor
Kaô! O axé vem da Bahia
Esta negra cantoria
Que Maria ensinou
Oh mãe ensaboa
Mãe ensaboa pra depois quarar
SINOPSE DO ENREDO
Sou Maria... De paixão vermelha, céu de nuvens brancas dos santos anjos... De Xindó, a alma cafuza, do pai pescador e mãe lavadeira. Alma que se une às escravas, caboclas e crioulas numa rede de sentimentos que emanam o mesmo ideal: a luta pela alforria do povo negro. Trago a memória ancestral de outras Marias da minha pequena Itapuã. A Itapuã do mar aberto, leito para a mística doçura do Abaeté.
A aurora do dia reflete o ouro nas águas escuras da Lagoa, águas circundadas por dunas de finas areias brancas. No alvo véu da noiva, a comunhão das lavadeiras que ouvem cânticos lendários que vêm à tona das profundezas. À sombra do angelim, as sacerdotisas do sol ensaiam cantorias adocicadas por cachundés e guajirús. Varais de resistência cruzam as restingas no quarar das impurezas de seus senhores.
No mar, a simplicidade no ganho de outras heroínas. Jangadas e saveirinhos repletos de feitorias por sereia-rainha que oferta o quinhão (xaréu, robalo, guaricema e peixe-galo). O marear das ondas preludia o balé das redes ao compasso feminino das puxadas. Cantos bravios que amenizam o peso de contínuos caminhos traçados. Areais testemunhos de grandes lições de vida que, caladas, alcançaram o pecúlio familiar.
Terreiros da Baixa do Dendê revelam o preparo do ganho. Nas malhadas, a secura dos pescados, a colheita do plantio, o preparo do quitute e o manejo das artesãs. A Bica de Itapuã foi o principal ponto de encontro do Bando das Ganhadeiras. Ópera negra do mercadejo: dos banhos sem pudor, dos negros camarás e da comunhão das escravas em torno da compra de suas alforrias.
“E que toda Maria passe na frente!”.
E lá vai Maria... E lá vão as Marias... De saias florais, blusas de crivo, colares de contas e erês nos panos de dorso. Apoiadas em torsos, segue a procissão de balaios, bandejas e gamelas em ritual de longas trajetórias. Maré baixa que revela no litoral margeante milhares de passos a caminho de São Salvador - o porto das freguesias. Aguadeiras refrescam a sede dos becos perfumados de dendê. Largos ganham o colorido das barracas mercantes de frutas. Vento que orquestra a sinfonia dos balangandãs das caixoteiras. Fogaréus acesos e vozes regadas a goles de cachaça no fuá da estridente mercação.
À beira-mar, um farol vermelho e branco de luz poente ilumina o livre caminhar. De pés cansados, agora calçados. Punhos cerrados, enfeitados com joias de crioula. Mulheres que não se curvaram e hoje cantam a sua liberdade. Saias de roda para sambar; samba de areia para cirandar. Nas cheganças, a negra dança ao som malê. Atabaques que unem Orun - Ayê. Pedra que ronca ao vento que balança. Mergulho profundo de peito aberto no samba de mar aberto.
Águas que purificam a lavagem das escadarias de Nossa Senhora da Conceição - nossa devoção! Mãe da Mãe que desata todos os nós. Fé que emana romarias ao mar: escadarias, pétalas em flor e o cheiro da aroeira. Irmandades remontam a festejos passados na Festa da Baleia. O sagrado abraça a matriz sob o véu que descortina a igualdade.
"Toda mulher brasileira em sua essência é ganhadeira!".
O Brasil de hoje revela a voz de outras mulheres que, em consonância, ritmam o trabalho e o sustento de suas vidas. Elas são de verdade! Sou um pouco de mim, em uma falange de nós. Pertenço à quinta geração das ganhadeiras históricas que remetem à saga de nossas avós, de nossas mães e de outras Marias que contribuíram para a fortificação do povo brasileiro. Histórias que se cruzam à beira da Baía e refletem no espelho d'água o futuro, sem se esquecer da luta de um passado recente. De mãos dadas, ganzás embalam chocalhos, atabaques versam caixas, pandeiros cadenciam o choro das cuícas. Lágrimas que se revigoram no sagrado altar do samba sob as bênçãos de Xangô e São João Batista – protetores da minha Viradouro. Viradouro que, de alma lavada, abraça as Ganhadeiras de Itapuã, espelho da mulher brasileira.
Donas do meu carnaval!
Maria da Paixão dos Santos Anjos ou Maria de Xindó.
(Lavadeira e uma das matriarcas do grupo musical as Ganhadeiras de Itapuã. Viradourense de coração, nascida em 1946 – Ano de fundação da Unidos do Viradouro.)
Marcus Ferreira, Tarcísio Zanon e Igor Ricardo (Pesquisa, Desenvolvimento e Texto)
Henrique Pessoa (Revisão textual)